A idéia de escrever sobre a gênese do termo heavy metal veio em 2002 quando fomos contatados por uma famosa revista nacional afim de encontrar dados sobre o início do movimento, as razões da utilização da expressão em questão, entre outras coisas. Toda a equipe Whiplash.Net trabalhou para que uma resposta digna fosse apresentada aos leitores de tal publicação.
Infelizmente, após receber todo o material, o repórter que nos procurou decidiu fazer uma edição acrescentando noções próprias. O resultado desastroso incluiu o Nirvana na categoria hard rock e negligenciou a existência de nomes capitais para a definição de música heavy e heavy metal. Por essas e outras, publico agora, oficialmente, o material no Whiplash.Net, de onde ele definitivamente não deveria ter saído.
Este artigo já nasce polêmico, assim como o estilo musical que nos motiva a escrevê-lo. É de grande dificuldade falar com exatidão a origem do termo heavy metal. Depois do sucesso da idéia, todos os compartilhantes da época (final dos anos 60) quiseram puxar a sardinha para si, e, sem um olhar epistemológico, dificilmente nos colocaremos próximos à realidade da problemática aqui apresentada.
É preciso, antes de tudo, deixar claro que “heavy metal” já possuía um significado militar e científico antes de qualquer relação sonora, e a utilização da expressão é constatada com freqüência em diversos estudos de décadas anteriores à explosão do novo estilo musical.
No início dos anos 30 fora usada para denominar armas de longo alcance e precisão. Porém, segundo William Morris, autor de “Dictionary Of Word And Phrase Origins”, o sentido dado ia além e tratava mais especificamente de tanques de guerra considerados então as sensações em aspectos tecnológicos.
O dicionário inglês Oxford trata do uso de heavy metal na ciência e relata que em 1936, no livro “Bjerrum’s Inorganic Chesmitry”, o cientista dinamarquês Niels Bjerrum trabalha, através da densidade da forma elementar do metal, a definição de ‘heavy metals’. Para ele, tais metais possuiriam densidades maiores que 7g/cm³.
Assim, configuramos claramente ao menos a terminologia que se distanciava da música. Partindo com maior especificidade, uma verdade em relação a toda a polêmica é que a proximidade à música se inicia com William S. Burroughs (1914 – 1997), mas não por questão de melodias, harmonias ou ritmos, e sim, provavelmente, por uma identificação à sua irreverência, o tom satírico de suas abordagens de múltiplos assuntos, numa contra-cultura proposta e exposta que encantou toda uma geração, impulsionou os movimentos sociais da época, e também influenciou pensadores como Gilles Deleuze e Félix Guattari.
O autor que ganhou grande repercussão com “Naked Lunch” (1959) – traduzido para “Almoço Nú” no Brasil (1985 – Editora Brasiliense) -, donde costumeiramente dizem que temos a origem do termo heavy metal, explorou questões sobre homossexualidade, autoritarismo, ciência e drogadicção, porém nada diretamente ligado a um estilo musical.
Sua influência no que vem a posteriori da cena musical, do rock leve ao pesado, é inegável. Todavia, ao usar o termo em “Naked Lunch”, Burroughs referia-se, em metáfora, à ingestão de “comida envenenada” nas ruas de Urano – “eating heavy metal meals on the streets of Uranus…” (BURROUGHS, 1959).
Em termos musicais, a primeira referência ao termo vem no ano de 1967 com a banda Hapshash & The Coloured Coat, em seu álbum intitulado “Featuring The Human Host And The Heavy Metal Kids”. Novamente não há referência a um estilo musical específico, inclusive o conjunto em pauta caracterizava-se por uma salada musical estranhíssima, em jams e improvisos terríveis, melhores definidos por Marcos A. M. Cruz: “uma banda banhada a ácido e fazendo bizarrices meio desafinadas”.
Um ano depois vem o mais famoso dentre aqueles que, de fato, aproximam-se do pioneirismo sobre a expressão “heavy metal” como é mais conhecida hoje. O Steppenwolf usa a frase “I like smoke and lightning, heavy metal thunder”, num dos maiores sucessos da história, a música “Born To Be Wild”.
Muitos passaram então a clamar pela original nomeação de heavy metal como uma vertente do rock, incluindo John Kay, vocalista do último grupo mencionado. Instaurou-se uma real batalha acerca do assunto. Nada muito novo se refletirmos bem. Apenas a velha história do filho renegado que faz sucesso e é conseqüentemente alvo de um instantâneo e fervoroso ‘amor’ de vários candidatos a pais. Um curiosíssimo ímpeto paterno suscitado na multidão.
Os rumores sobre o verdadeiro autor cresceram imensamente após o filme “Quase Famosos”, inspirado na história do crítico musical Lester Bangs (1948 – 1982). As alegações de que ele seria o responsável pela expressão se espalharam e, como prova, haveria um artigo escrito pelo mesmo sobre o Black Sabbath, e publicado pela revista CREEM. Contudo, não existe qualquer menção a heavy metal no trabalho sobredito.
Ficaríamos, em vista as considerações acima, sem qualquer embasamento e noção para localizarmos a origem do termo “heavy metal”. Porém, o segredo é desvendado ou, no mínimo, encontra seu único rastro concreto no trabalho do também crítico musical e posteriormente fundador do conjunto Angry Samoans, Mike Saunders. Numa resenha do disco “Kingdom Come” (gravado em 1970 e lançado em 1971) do Sir Lord Baltimore escrita por ele para a revista CREEM de Maio de 1971, fica comprovado o uso de “heavy metal” como descrição de uma vertente musical pela primeira vez na história.
As confusões com outros críticos, como por exemplo, Dave Marsh, ocorrem freqüentemente. No caso deste último, também foi um pioneiro, é verdade. Exatamente neste mesmo lançamento da histórica CREEM, Marsh definiu punk rock em artigo sobre o Question Mark And The Mysterians.
Fonte: whiplash.net