“A música expressa aquilo que não pode ser transmitido com palavras e aquilo que não pode permanecer em silêncio”, disse o escritor Victor Hugo certa vez.
De fato, o cerne da composição musical reside na tentativa de expressar e transmitir emoções — com isso, quando os músicos estão ativamente tentando expressar suas emoções através dos acordes, seus cérebros trabalham de uma maneira estranhamente diferente.
De acordo com um novo estudo de escaneamento do cérebro realizado com pianistas de jazz e publicado no começo de janeiro pela revista Scientific Reports, emoções fortes podem alterar o funcionamento das redes cerebrais associadas à criatividade. As descobertas mostram que o funcionamento do cérebro criativo é muito mais complexo do que poderíamos imaginar.
“Parece que a relação entre emoção e criatividade é verdadeiramente fundamental e, suspeitamos, responsável pela perseverança da criatividade ao longo da história humana”, disse Charles Limb, neurocientista da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e um dos autores do estudo, em uma entrevista ao The Huffington Post por e-mail.
“Os humanos parecem precisar da criatividade a fim de compreender e analisar a experiência humana, que é (em nossa opinião) profundamente emocional. Por essas razões, queríamos entender como a emoção modula as redes cerebrais […] durante a criatividade espontânea em tempo real em músicos experientes.”
A criatividade baseia-se em uma ampla gama de regiões do cérebro, redes e processos e, como sugere a nova pesquisa, não pode ser simplesmente explicada em termos de ativação ou desativação de uma rede particular de regiões do cérebro.
“Humanos parecem precisar da criatividade a fim de compreender e analisar a experiência humana.”
Pelo contrário, os pesquisadores descobriram que, quando os músicos estão tentando expressar emoções durante seu processo criativo, partes do cérebro envolvidas na expressão emocional são ativadas. Essas áreas do cérebro, em seguida, influenciam intensamente quais partes da ampla “rede de criatividade” são ativadas, e como isso acontece.
Limb, que também é saxofonista de jazz, havia realizado uma pesquisa anterior cujos resultados revelaram que a improvisação musical desativa uma região-chave do cérebro, ligada ao planejamento e monitoramento do comportamento — o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL). Isso sugere que esse entorpecimento do CPFDL pode ser responsável pela capacidade do artista de entrar em um “estado de fluxo” de profunda absorção e criatividade de fluxo livre.
Para o novo estudo, os pesquisadores queriam investigar como as emoções afetavam a capacidade do cérebro de entrar num estado de fluxo. Para isso, pianistas de jazz foram colocados dentro de uma máquina de escaneamento do cérebro com um pequeno teclado, e lhes foi pedido que improvisassem uma melodia para expressar ou uma emoção positiva (com base em uma imagem de uma mulher sorrindo) ou uma negativa (representada pela mesma mulher, mas com aparência triste). Como controle, os cérebros dos músicos também foram escaneados quando estavam olhando para as imagens emocionais, mas sem improvisar.
Os exames de ressonância magnética revelaram que a desativação do CPFDL foi significativamente maior quando os músicos estavam tentando transmitir uma emoção positiva em suas improvisações. Quando estavam tentando expressar emoções negativas, por outro lado, houve uma maior ativação dos sistemas de recompensa do cérebro.
Os pesquisadores concluíram que pode ser mais fácil entrar nessa “área” ao criar uma música alegre. Criar composições tristes também parece ser prazeroso para os músicos, mas de uma forma diferente.
“Em termos gerais, nosso estudo sugere um papel muito básico para as emoções em como nossos cérebros funcionam durante a criatividade”, disse Limb. “Parece que a natureza de uma emoção — seja negativa ou positiva — tem um impacto significativo nos mecanismos que nosso cérebro utiliza para tarefas criativas quando motivado por essas emoções.”
Embora os resultados sejam um passo na direção certa, Limb destaca que o funcionamento interno do processo criativo ainda é um grande mistério para os neurocientistas. Em outras palavras, mesmo em um nível neurológico, a criatividade é um processo desordenado.
Fonte: brasilpost.com.br